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#1 Gay (Substantivo masculino): aquele que não sabe se relacionar

  • Foto do escritor: Marcelo Honório
    Marcelo Honório
  • 9 de abr.
  • 4 min de leitura

Há uns dois anos, minha psicóloga me soltou uma bomba:


“Você não sabe se relacionar.”

A intervenção ainda ecoa na minha cabeça.


Como assim, depois de 29 anos, eu não sei construir relações saudáveis? Seria um problema só meu ou um bug da minha geração? Afinal, não sou só eu que morro de preguiça de atender um telefone ou que se embanana todo pra fazer o pedido de uma pizza.


Mas seria muita ingenuidade minha reduzir essa devolutiva ao lugar da pizza, do telefone. A diva foi mais fundo. Ela falava sobre como eu sempre estava perdendo ao me colocar em relações que me eram injustas. Acho que, mesmo sem querer, já era hora de ouvir isso.


A boa notícia — ou melhor, a pior — é que, durante esses últimos dois anos, entendi que esse problema não era só meu. Fui percebendo que não saber se relacionar é quase um sinônimo pra gay. Devia estar no dicionário:


"Gay (substantivo masculino): aquele que não sabe se relacionar, que se relaciona com outros que também não sabem se relacionar".


Afinal, somos homens performando uma masculinidade que não foi ensinada, nem modelada, mas muitas vezes reprimida. Não faz muito tempo (mais precisamente em 1973) que a gente saiu do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). A gente sequer podia dizer o que era — imagina, então, se relacionar. É óbvio que isso teve suas consequências. Sem falar que, de doença, transtorno, passamos depois de um tempo a ocupar o lugar de agentes. Porque é claro: eram só homens gays que conviviam com ISTs no mundo. Tiraram a gente do lugar de doença e nos colocaram como causadores.




Enfim, nesse último sábado, estive na Casa Madalena, um famoso bar LGBTQIA+ aqui de Uberlândia. E mais uma vez, como em diversos outros rolês da comunidade, pude experienciar o que as canceladas do DSM e agentes do caos herdaram.


A começar pela fila de entrada.


Um casal atrás discutia se dar selinho em outros era traição. Na minha frente, um grupo de amigos falava sobre suas expectativas. Um deles disse que não queria beijar ninguém naquela noite — corta pra ele às quatro da manhã num beijo triplo. Outro soltou que não gostava de afeminados. Meu lado psi militante gritava:


“ALGUÉM AVISA QUE ELE É AFEMINADO???”


Mas me contive. Não era hora nem lugar pra ser o psicopedagogo das coisas óbvias. Não me cabia.




Pude sentir que a fila era só a prévia do que eu encontraria no rolê daquela noite: um bando de gays que não se conhece tentando se relacionar com outros que também não se conhecem. Iniciantes nessa coisa de se expressar, vamos dizer assim.


Depois de quarenta minutos de fila (ódio mortal, inclusive), finalmente entrei no bar. Lá dentro, encontrei meus amigos Jujuba e Lucrécio (nomes fictícios, óbvio, pra não expor ninguém e não levar uma coça). Após os cumprimentos, fomos direto pra pista de dança. O que tinha? Cerveja, música pop dos anos 2000 e olhares de quem cobiça, mas que só chegam — quando chegam — depois que o álcool bate.


Lucrécio passou o rolê inteiro olhando um boy com quem ficou na semana passada, quando estava de drag. Não se sentia seguro pra dar um oi. O rapaz, todo desnecessário, também, sabia que estava sendo observado, sabia quem era, mas preferiu fingir que não o conhecia. Um oi não é necessariamente uma obrigatoriedade pra ficar com a pessoa novamente, diz mais sobre ser menos antipático — pelo menos nesse caso, porque têm pessoas que a gente corre que nem o diabo corre da cruz.


Talvez não fosse mesmo pra meu amigo cumprimentar.


Depois dessa cena, fiquei refletindo: arte drag é mais do que maquiagem, roupa e peruca. É, também, escudo, proteção e coragem pra muita coisa. Vão existir lugares e momentos em que qualquer um pode se sentir inseguro. E vai precisar de um escudo. O meu talvez esteja na profissão. Porque fora dela, sou um ser como qualquer outro, que também carrega suas inseguranças e vulnerabilidades. Já parou pra pensar no que te deixa seguro?


As pessoas falam muito de insegurança, mas não dão nome ao que as protege. Aí fica difícil se cuidar. Espero que Lucrécio entenda um dia que, mesmo não estando de drag, essa drag ainda existe dentro dele.



Mas corta pra gente dançando Shakira e Jujuba beijando o ex de um amigo meu. Enquanto eles se beijavam, decidi flertar com o amigo do moço — negro, olhos claros, alto, um gato. Fui direto e perguntei se ele também não beijava.


Nisso, veio o banho de água fria:

“Eu namoro.”



E piora: o namorado estava ao lado, assistindo eu ser micoso. Minha cara foi no chão.


Isso me fez lembrar de outra intervenção da minha psicóloga:

"Você tá sempre se envolvendo com caras indisponíveis, nean?!"

Foi nessa hora que uma vozinha dentro de mim gritou "GATILHO". Ainda bem que o corte foi Tramontina. Mesmo caminhando, de vez em quando, a gente pode dar uns tropeços.


O que eu sei é que realmente precisamos aprender a nos relacionar.


Enquanto isso, em São Paulo, meu amigo Baltazar (todos os nomes serão fictícios, my lovers) me mandava mensagem questionando se deveria abrir o relacionamento, visto que ele e seu esposo não sentem mais vontade de transar um com o outro.


Será que algum dia a gente aprende a se relacionar mesmo?

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1 comentário


Ana Elisa
10 de abr.

Ameeeei! Ácido, inteligente e bem humorado. Aguardo as próximas pra poder maratonar kkkkk

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